
Certeza
Certeza
Depois das Trevas, Luz—Parte 4
1 João 2.3–6
Introdução
Logo no início da era da igreja, perguntas começaram a aparecer: o que faz de uma pessoa um cristão genuíno? Quem define a natureza e os ingredientes do Evangelho? O que é verdadeira espiritualidade?
Os apóstolos—os chamados primeiros pais da igreja—colocaram no papel, sob a influência do Espírito Santo, os padrões do Cristianismo.
João, o último apóstolo ainda vivo, está prestes a fornecer a resposta à pergunta que tem persistido durante a era da igreja primitiva: como determinar se alguém é ou não um cristão legítimo?
Isso é o mesmo que perguntar: como o crente pode ter certeza de que atinge o padrão divino para um cristão genuíno?
No decorrer de sua primeira carta, João deseja que o crente saiba a resposta a essa pergunta, que ele tenha certeza. E ele tem que fazer isso, não é verdade? Sem dúvidas, não podemos colocar isso nas mãos de outra pessoa.
Muitos são os padrões inventados por homens:
- Você não pode ter certeza de que é crente, a não ser que satisfaça os padrões externos de alguém—quaisquer que sejam esses padrões;
- É impossível saber se você é crente se não pertence a uma igreja ou grupo;
- Você jamais saberá se é, de fato, um cristão, ao menos que passe por aquilo que todos os cristãos passam;
- Você não terá certeza, a não ser que faça as coisas que crentes fazem, ou não faça as coisas que eles não fazem, não ande com as pessoas que eles não andam, etc., etc., etc.
Um tempo atrás, alguém me enviou o seguinte poema que ilustra bem esse problema:
Outra noite, sonhei que tinha vindo a morte,
e os portões do céu se abriram
e um anjo de grande porte
me recebeu nas glórias.
Para minha surpresa,
lá estavam pessoas
que eu havia julgado e rotulado
como indignas, impróprias,
espiritualmente deficientes.
Palavras indignas aos meus lábios subiram,
mas nunca saíram.
Pois todos estavam surpresos:
ninguém esperava me ver ali!
O apóstolo João acontece de nos dar grande certeza. Na verdade, ele dirá várias vezes: “É assim que você sabe se é um crente verdadeiro. Aqui está o padrão divino.”
No capítulo 2 de 1 João, o apóstolo apresenta 3 princípios que fornecem ao crente certeza de sua salvação. É assim que você sabe que pertence a Deus por meio de Jesus Cristo.
- O primeiro princípio que nos dá certeza de salvação é o princípio da obediência.
João começa dizendo em 1 João 2.3:
Ora, sabemos que o temos conhecido por isto: se guardamos os seus mandamentos.
Talvez você esteja pensando: “Bom, se esse é o caso, então estou frito! Jamais farei parte dessa família!”
Primeiramente, a epístola de João tem como objetivo encorajar, não amedrontar o crente. Alguns comentaristas que li dizem que João busca aterrorizar pessoas por sequer pensarem que são crentes verdadeiros.
Contudo, esse não é o espírito de uma carta escrita aos meus filhinhos (2.1)—os queridos filhos de João na fé.
Vamos observar o verso 3 com mais cuidado: Ora, sabemos que o temos conhecido por isto. Essa é a primeira das 25 ocorrências do verbo “saber” na carta. E João escolhe o verbo grego ginosko para se referir a um conhecimento que vem por meio de experiência pessoal. O outro verbo grego para “conhecer,” oida, se refere a conhecer por meio de informação, teoria.
Os gregos usavam verbos diferentes para falar de conhecimento: conhecimento adquirido por meio da experiência pessoal e conhecimento adquirido por meio da instrução pessoal.
E existe diferença.
Por exemplo, você fala para seu filho não morder o braço de sua irmãzinha; por que? Porque machuca. Então, o que ele faz? Ele morde a irmãzinha de qualquer jeito. Como percebe, você tenta dar ao seu filho informação, mas o que ele realmente precisa é de um pouco de experiência.
Ainda me lembro que um de nossos quatro filhos gostava de morder por algum motivo. Ele simplesmente não entendia; a informação de que morder machucava não estava chegando ao seu entendimento.
Então, num belo dia, ele morde a mão de sua irmãzinha. Ela começa a chorar e gritar com aquela tentativa de homicídio; dava para ver a marca dos dentes em sua mão. Então, eu peguei a mão dele e mordi; e sua expressão facial deixou claro que ele entendeu. Meu filho tinha acabado de adquirir conhecimento por meio da experiência. Ele nunca mais mordeu.
Não estou recomendando princípios para criação de filhos aqui; estou apenas ilustrando o significado do verbo grego.
Isso me lembra de um garotinho que começou a chorar e gritar; sua mãe correu para o quarto onde a irmãzinha segurava em sua mão um maço de cabelos do garotinho que ela arrancara de sua cabeça. A mãe abriu a mão de sua filha, abraçou o filho e explicou: “Meu querido, sua irmã não sabe que isso dói;” em seguida, a mamãe saiu do quarto. Segundos depois, a menina começou a gritar. A mãe voltou correndo e, ao entrar no quarto, o menino disse: “Agora ela sabe.”
O apóstolo Paulo empregou esse verbo quando escreveu em Filipenses 3.10: Para o conhecer. Ginosko—para que eu me envolva, num nível prático, com a paixão de Cristo, com o poder de Cristo, com a perseguição de Cristo e com a perseverança de Cristo. Não quero apenas obter mais informações sobre Ele; quero ter uma interação e comunhão pessoais com Ele.
Um erudito no grego escreveu que esse verbo sugere não somente um relacionamento pessoal entre o conhecedor e o objeto conhecido, mas também que o conhecedor é influenciado pelo objeto conhecido.
O que João escreve aqui simplesmente é: “É assim que você sabe que interage e tem comunhão pessoalmente, e está debaixo da influência de Cristo: (veja o verso 3) se guardamos os seus mandamentos.
A palavra mandamentos se refere a injunções ou ordens. Essa não é a palavra nomos que se refere à Lei Mosaica. João pensa especificamente nos mandamentos de Cristo dados aos crentes do Novo Testamento. Isso envolve a grande comissão de Cristo aos apóstolos—fazer discípulos, ensinando-os a guardar tudo aquilo que Ele mandou.
As epístolas do Novo Testamento estão repletas de ordens de Cristo. E, conforme João escreve aqui, o crente tem a obrigação de obedecê-las. De fato, o verbo guardamos tem a ideia de obediência cuidadosa.
Apesar de o crente jamais obedecer perfeitamente ou, às vezes, obedecer a Cristo de maneira inconstante—que é o motivo por que João começa sua carta falando sobre como confessar nossos pecados—o crente tem o desejo de obedecer.
O crente se entristece com sua própria desobediência. A ideia de “guardar mandamentos” aqui está ligada a determinação e desejo. O crente quer que sua vida esteja em harmonia com sua pregação.
Gosto da forma como um autor resumiu isso ao comentar nesse verso: “O crente não consegue guardar os mandamentos de Cristo perfeitamente, mas ele consegue guarda-los propositadamente. O crente pode se levantar a cada dia com o desejo em seu coração de fazer aquilo que Deus deseja que ele faça.”
Acho muito interessante que João conecta certeza de salvação não às nossas emoções, mas às nossas atitudes. Emoções sobem e descem. Apesar de você não querer que sua certeza esteja ligada às suas atitudes, é muito melhor do que liga-la às emoções. A forma como se sente pode mudar rapidamente, mas sua direção e determinação na vida como crente são coisas fixas.
João não pergunta se sentimos que pertencemos a Cristo; ele pergunta se vivemos como se conhecêssemos a Cristo. Esse padrão é objetivo, verificável, prático e visual.
De fato, veja o contraste que ele faz no verso 4:
Aquele que diz: Eu o conheço e não guarda os seus mandamentos é mentiroso, e nele não está a verdade.
Em outras palavras, o padrão para a nossa certeza não está ligado aos nossos lábios; não se trata aqui de nossa língua, mas de nosso estilo de vida.
Veja novamente: aquele que diz. Essa é a pessoa que afirma com seus lábios que interage pessoalmente e que está sob a influência da pessoa de Jesus Cristo, mas não guarda os Seus mandamentos; ou seja, essa pessoa não tem desejo ou determinação alguma de obedecer a Cristo nas várias áreas de sua vida.
João escreve que esse indivíduo é mentiroso.
Precisamos entender que João não fala aqui de alguém que foi enganado por outra pessoa ou que ficou confuso com as alegações do Evangelho. Esse mentiroso é aquele que mente como um padrão de vida. Em outras palavras, esse indivíduo afirma conhecer a Cristo—interagir pessoalmente com o Senhor—mas seu padrão de vida não se assemelha em nada ao de Cristo.
Essa pessoa mente em doutrina, assim como os gnósticos que João confronta em sua carta. Os gnósticos promoviam a heresia de que os que viviam perpetuamente e impenitentemente em seus pecados podiam, sim, dizer que interagiam ao mesmo tempo com o Salvador.
Além disso, essa pessoa mente em prática: ele fala como se conhecesse a verdade, mas sua vida evidencia que é voluntariamente estranho à verdade.
Esse indivíduo se encaixa bem na descrição de um falso crente que de vez em quando fala sobre Deus, mas que não deseja se associar a Ele. A descrição diz:
Quero comprar 3 reais de Deus. Essa é uma quantia que não mudará minha alma, nem atrapalhará meu sono, mas apenas o suficiente para ser igual a um corpo de leite quente e a um cochilo debaixo do sol. Não quero muito dEle a ponto de me fazer amar alguém que não gosto, ou ajudar alguém que não conheço. Quero felicidade, não transformação; quero o calor do ventre, não um novo nascimento. Quero meio quilo do Eterno numa embalagem para viagem. Quero 3 reais de Deus.
A certeza dessa pessoa não satisfaz o padrão de Deus; ela não está fundamentada no princípio da obediência.
Então, o primeiro princípio que nos fornece certeza de salvação é o princípio da obediência.
- O segundo princípio é o da estima.
Veja o verso 5:
Aquele, entretanto, que guarda a sua palavra, nele, verdadeiramente, tem sido aperfeiçoado o amor de Deus.
A palavra traduzida como aperfeiçoado significa “realizado.” Ou seja, João nos encoraja dizendo que, quando guardamos a palavra de Cristo, o amor de Deus realiza seu propósito em nossas vidas.
Um autor colocou isso da seguinte forma: “Quanto mais estimamos a Palavra de Deus, mais abrimos a porta para Seu amor realizar Seus propósitos em nossas vidas.”
Gosto da palavra que João escolhe aqui: aquele que guarda a sua palavra. Ela aponta para o significado que João deseja transmitir. O verbo guarda era usado nos dias de João para falar de uma sentinela de serviço em seu posto. Ele se referia a guardar cuidadosamente como se a pessoa protegesse algum tesouro.
E como protegemos nossos tesouros?
Domingo passado, enquanto eu pregava à noite sobre o leproso que voltou para agradecer a Jesus, alguns bandidos entraram em nossa casa. Eu fui o primeiro a chegar—cheguei antes das meninas—e vi pegadas de lama no carpete da sala.
Muito provavelmente, eles saíram correndo quando me ouviram chegando em casa. Mas eles tiveram tempo suficiente para roubar as joias de minha esposa—as últimas que ela tinha. A maioria era barata, mas de valor sentimental, incluindo algumas bem especiais que haviam sido de sua mãe e de seu pai. Os bandidos levaram tudo.
A ironia nisso tudo foi que, no último Natal, eu havia finalmente dado à minha esposa um cofre para joias bem bonito que ficava no chão. Acho que facilitei as coisas para os bandidos, não foi? Toma, podem levar!
Minha esposa, contudo, tem reagido de forma submissa à vontade de Deus. Estou feliz por ela. Eu disse que não consigo imaginar voltar para casa e descobrir que todos os meus livros, que tenho colecionado no decorrer dos anos, foram roubados. Não consigo imaginar isso. Caso roubassem gostaria apenas que os lessem, fossem salvos e depois me devolvessem.
Desde esse incidente, temos tido cuidado redobrado ao trancar portas e acionar alarmes. A casa de meu filho, também, dois dias antes, foi roubada. É algo muito esquisito saber que alguns estranhos entraram em sua casa e levaram objetos pessoais.
Não sei; talvez o apóstolo João tinha passado por um roubo como esse. A palavra que ele usa, e já duas vezes nesse parágrafo, é um termo que desafia o crente a estimar cuidadosamente a Palavra e a guarda-la como seu bem mais valioso.
Dessa maneira, certeza de salvação está diretamente ligada à nossa perspectiva da Palavra de Deus. De forma simples, ela é um de seus bens preciosos.
Você valoriza a Palavra de Deus, ou ela fica no fundo de seu carro, na mesinha da sala, em sua estante ou em qualquer outro lugar da casa—“Nem sei onde está”?
Você imagina sua esposa dizendo: “Querido, não sei onde coloquei as minhas joias. Você pode procurar debaixo do banco do carro, na garagem ou no escritório?”
O apóstolo João escreve no verso 5, no final: Nisto sabemos que estamos nele. Como? Pela maneira como valorizamos Sua Palavra.
Você percebeu a expressão-chave aqui? Nisto sabemos que estamos nele. Essa é uma das expressões favoritas de João—nele.
Isso não significa que você foi absorvido dentro da Divindade, como ensina o panteísmo, mas se refere a um relacionamento espiritual e unidade na vida que temos com Cristo. Estamos nele, ou seja, Cristo não somente habita em nós espiritualmente, mas é também a esfera que envolve nossas vidas. Estamos em Cristo.
Pense nisso da seguinte forma: você mora no estado do Paraná; isso não significa que você é o Paraná, que se tornou um anexo do estado; significa que você vive dentro da esfera das divisas do Paraná. Com o passar do tempo, você passa a ser associado a esse estado, a gostar da cultura, da comida, a valorizar seus pontos turísticos. De fato, você passa a se sentir em casa, acostuma-se com o clima e se adapta às alergias. Chega um ponto em que você é paranaense. Daí, quando se converte de verdade, passa a torcer para os times certos.
Semelhantemente, estamos em Cristo. E o que significa estar nele? Significa que:
- Temos uma nova esfera de residência.
- Temos novas obrigações e responsabilidades.
- Aprendemos a nos adaptar a uma nova cultura e a um novo modo de viver.
- Gostamos de torcer por todos que estão associados a Cristo e entendemos que estão relacionados a nós também.
- Nossos apetites mudam com o tempo.
- Temos um novo nome—cristão—porque vivemos dentro dos limites de Sua posse e de Sua vontade.
E descobrimos que a Palavra de Cristo é o nosso maior tesouro.
Nossa certeza de salvação está baseada no princípio da obediência e no princípio da estima.
- Em terceiro lugar, nossa certeza de salvação está baseada no princípio da imitação.
Veja o verso 6:
aquele que diz que permanece nele, esse deve também andar assim como ele andou.
De forma bastante simples, o que João diz aqui é o seguinte: certifique-se de que seu andar corresponde ao seu falar.
Aquele que diz que permanece nele. João gostava muito de usar o verbo “permanecer;” ele ocorre 24 vezes nesta carta. “Permanecer em Cristo” significa possuir um relacionamento contínuo com Cristo. E se você realmente tem um relacionamento contínuo com o Salvador, então você andará como Ele andou.
Esse é o princípio da imitação.
Isso não significa que você andará por sobre as águas como Ele andou, pelo menos ainda não, ou que atravessará portas como Ele atravessou, pelo menos ainda não. Isso significa, sim, que seu andar—seu estilo de vida—será consistente com sua afirmação de que conhece Jesus Cristo em um relacionamento pessoal contínuo.
Isso significa que o seu andar se assemelha ao andar dEle. Como? Você anda na mesma direção, toma as mesmas decisões, caminha com o mesmo senso de determinação e em direção ao mesmo destino.
Você não pode andar com outra pessoa, ao menos que ambos estejam indo na mesma direção e tenham o mesmo destino em mente.
Mas João sugere aqui uma verdade ainda mais profunda quanto à caminhada do crente. Não somente andamos com Cristo, mas andamos como Ele andou.
Essa é uma referência à imitação de Seu caráter, Seu espírito, Sua sabedoria, Sua paciência, Sua alegria, Seu amor, Sua perseverança e Sua obediência à vontade de Seu Pai.
Isso não é hipocrisia, mas imitação.
Não fingimos ser o Senhor Jesus; queremos ser como Ele. Isso fica evidente na forma como vivemos e esse princípio da imitação nos fornece credibilidade à nossa certeza.
Você deseja fortalecer sua certeza de salvação? João escreve: “É assim que você saberá que sabe que é crente: imitando, estimando, obedecendo.
Conclusão
Warren Wiersbe está com quase 90 anos de idade e, conforme ouvi, com dificuldades na audição. Mesmo assim, continua ativo. Em sua autobiografia, Wiersbe conta sobre seu primeiro projeto de construção numa igreja que serviu. Ele e o departamento de construção e patrimônio da igreja trabalhavam com um arquiteto e, numa das reuniões, Wiersbe diz ter aprendido este princípio da teologia. Durante a reunião, ele perguntou ao arquiteto: “Mas por que precisamos de um teto tão alto no auditório principal? Por que não economizar um dinheiro construindo um teto mais baixo e somente uma fachada alta na frente da igreja?” O arquiteto respondeu calmamente: “Pastor Wiersbe, o prédio que vocês constroem reflete o que creem que uma igreja é e faz. Não se usa fachadas em igrejas para enganar pessoas. Isso é para desfiles de carnaval. O exterior e o interior precisam estar em harmonia.”
Nossa certeza é medida pelo padrão desses princípios divinos.
Apesar de a segurança de nossa salvação depender exclusivamente da graça de Deus pela fé em Cristo somente, nossa certeza de salvação sobe e aumenta dependendo de como nossa vida exterior concorda com nossa convicção interior no coração.
E podemos medir isso diariamente ao obedecermos à vontade de Cristo, ao estimarmos a Palavra de Cristo como um tesouro precioso e ao imitarmos o andar de Cristo.
Este manuscrito pertence a Stephen Davey, pregado no dia 03/02/2013
© Copyright 2013 Stephen Davey
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