
Som e Imagem
Som e Imagem
Série Transformando A Fé numa Realidade na Terra – Parte 6
Tiago 1.26–27
Introdução
Existe alguma coisa errada com a minha caixa receptora de TV a cabo. Ela é imprevisível. Semana passada, eu tentei assistir a um jogo, mas a única coisa que estava conseguindo captar era som. A imagem nunca aparecia; ficava totalmente preta, sem vida. Tentei de tudo. Apertei o botão de “Menu” que me informava em que canal o jogo estava passando. A janela de “Menu” até que aparecia, mas quando eu selecionava o canal do jogo, não acontecia nada. Foi muito frustrante. Meu pacote não é completo, mas já me proporciona mais canais do que preciso. Mas naquele momento, esse pacote não me fornecia o que eu queria, o que eu precisava. Tentei de tudo e apertei mais alguns botões. Você já falou com a televisão reclamando com ela alguma vez, como se ela fosse reagir, dizendo: “Que isso! Vamos lá, funcione!”?
Mas olha, acho que dessa vez ela estava me ouvindo, porque o som imediatamente sumiu. A televisão estava ligada, mas nada de som ou sequer imagem. Então, desliguei a televisão e reiniciei todo o sistema; daí, o som retornou. Mas, ainda, nenhuma imagem—somente som. Eu não queria ouvir o jogo; para isso eu tenho rádio. Eu queria ver o jogo. Se tivesse conseguido a imagem na tela, eu teria assistido ao jogo, mesmo que estivesse sem som. Mas eu não queria ouvir algo que não pudesse ver, enxergar. Finalmente, desliguei... e pedi que Deus julgasse a televisão.
Esta semana, quando estudava o livro de Tiago, um comentarista bíblico começou um dos capítulos do estudo em Tiago dizendo o seguinte: “Para conseguir o máximo de entretenimento de sua televisão, você precisa de duas coisas: som e imagem.” Acho que ele também perdeu o jogo! Ele continua dizendo: “[Som] sem [imagem] simplesmente não dá certo. Não é nada atraente ver uma imagem sem nenhum som, ou ouvir algo sem imagem alguma. A televisão foi projetada para prover tanto som como imagem.” Pensei: “Excelente teologia. Esse homem entende minha vida muito bem!” Daí, ele fez uma aplicação:
A vida cristã é bem parecida com a televisão. As pessoas não são atraídas somente por aquilo que dizemos; elas também precisam ver alguma imagem. Nosso Cristianismo deve prover tanto som como imagem [ao colocarmos nossa fé em ação].
Verdade!
Meu amigo, o livro de Tiago sabe que a caixa receptora de nosso coração que recebe sinal da verdade de Deus tem dificuldades diariamente em transmitir esse sinal para a tela de nossas vidas, a fim de que as pessoas ao redor assistam a cada novo episódio de um Cristianismo piedoso.
Talvez você esteja se perguntando se existe alguma forma de sua vida cristã ser vista como algo radicalmente distinto das demais pessoas, de maneira que todos notem algo diferente dentro de você. Tiago responderá sua pergunta no parágrafo final do capítulo 1.
Lembre-se: Tiago escreve esta carta a crentes e ele anuncia três formas como os crentes podem praticar sua fé que são notavelmente distintas do mundo. Ele desafia o crente de três maneiras: em relação a nossa conversa, nossa compaixão e nosso caráter. E, como de costume, Tiago não economizará nas palavras.
- Nossa conversa com outras pessoas.
Note o verso 26 de Tiago 1:
Se alguém supõe ser religioso, deixando de refrear a língua, antes, enganando o próprio coração, a sua religião é vã.
Tiago se refere a religião duas vezes nesse verso. O termo original é bastante raro no Novo Testamento. É uma palavra utilizada no mundo secular para se referir a um indivíduo em admiração diante dos deuses, que literalmente treme na presença deles. Ela veio a se referir à observância de práticas religiosas.
Então, Tiago se refere aos judeus crentes do século primeiro que eram cuidadosos na prática da oração, prontos para ir aos cultos de adoração na sinagoga e até a ofertar seus recursos à igreja primitiva. Ele não se refere, portanto, a crentes inativos, mas a crentes que servem em ministérios como voluntários. Essas são as pessoas que chegam cedo e saem tarde, mas todos na igreja sabem que elas têm um problema sério. A língua delas é solta; é como um cavalo fugitivo; seu Cristianismo está sendo obscurecido pela sua conversa.
Já pela segunda vez no capítulo, Tiago alerta os crentes sobre engano. No verso 22, ele escreveu que o crente que observa a Palavra e não toma nenhuma atitude é um ouvinte enganado; esse tipo de pessoa trai a si mesma, impedindo seu próprio crescimento espiritual porque escolhe ser apenas um aluno ouvinte ao invés de realizar todas as tarefas.
Agora, apenas alguns poucos versos mais à frente, no verso 26, Tiago fala novamente sobre o crente enganado. A palavra que ele utiliza nesse verso se refere a alguém seduzido a acreditar na mentira. Aqui está o crente que faz tudo certo, participa de todos os cultos, jejua, ora e dá oferta, mas está enganado ao crer que esses atos externos são o suficiente para lhe garantir maturidade espiritual. Para ele, a língua solta não é problema algum.
E o tempo verbal em deixando de refrear a língua e enganando o próprio coração é presente, indicando uma luta diária constante.
- Assim como a tentação nos versos 12 a 18, a luta é diária;
- Assim como a disposição em ser instruído pela verdade divina, versos 19 a 21;
- E, antes disso, assim como a luta diária por sabedoria ao enfrentar as provações e escolher reagir com confiança;
- Agora, aqui, o problema é a língua. Essa é uma batalha diária.
Ele continua dizendo que, se você não puser o freio na língua, sua maturidade será incompleta.
Lembro-me de estar na casa de amigos alguns anos atrás. Eles tinham cavalos e fomos andar a cavalo naquele dia. O problema é que eles estavam soltos no pasto e, quando nos viam chegando perto com os freios às mãos, eles fugiam; não tinham nenhum desejo de ter alguém montando em seu lombo aquela tarde! Tentamos de tudo, mas nenhum sequer deixou que nos aproximássemos perto o suficiente para colocar o freio na boca.
Você deseja crescer? Então, será que está correndo dos freios ou diariamente se rende ao controle do Espírito Santo e confessa quando não se submete a ele? É necessário confissão e constante rendição ao poder do Espírito. Isso é algo diário.
Tiago termina dizendo que esse homem que não freia sua língua vive uma religião vã—vazia. Ele não diz que a religião dele não existe ou que ele não é crente. Ele é não somente um crente, mas um crente devoto e ativo, mas sua religião é sem valor. A palavra para vã é mataios, que significa “improdutiva.”
E isso se encaixa perfeitamente no contexto de Tiago sobre maturidade espiritual: atividade religiosa exterior não produz automaticamente maturidade espiritual interior. Você pode ir a todos os cultos, pode nem mesmo perder um culto de oração, escola dominical; pode dar todas as ofertas e nunca crescer nem um centímetro, pois tal crescimento é medido pela qualidade de sua conversa.
Certa vez, enquanto John Wesley, o fundador do movimento metodista no século 18, pregava, ele notou que uma senhora conhecida por sua atitude crítica e espírito perverso estava sentada na primeira fila. No decorrer de toda a pregação, ela se sentou ali e ficou observando a gravata borboleta de John Wesley. Quando a reunião terminou, ela foi diretamente a ele e disse: “Sr. Wesley, as pontas de sua gravata borboleta estão muito longas. Isso me incomoda.” Ele, então, perguntou se alguma senhora por acaso tinha uma tesoura na bolsa. Aconteceu que uma delas tinha. Ele deu a tesoura à senhora que se incomodara com sua gravata e lhe disse que cortasse as pontas da gravata conforme ela desejasse. Depois que ela terminou, ele perguntou: “Tem certeza que está bom agora?” “Sim,” disse ela, “está bem melhor agora.” Então, John Wesley disse: “Deixe-me ver essa tesoura rapidamente. Preciso dizer a você, madame, sua língua está me incomodando, é muito longa! Deixe-me cortar um pouco dela fora.” Ela entendeu muito bem a mensagem. Se você deseja medir a profundidade de sua maturidade espiritual, meça o comprimento de sua língua.
Agora, a essa altura eu poderia lançar diante de você as mais variadas formas como a língua pode ser utilizada e as diferentes maneiras como a língua pode destruir, enganar e desencorajar, e poderíamos todos chorar e lamentar. Mas Tiago não diz como a língua sem freios trabalha ou o que ela diz. Ele deixa isso em branco. Mais adiante no capítulo 3, ele tratará do assunto da língua mais detalhadamente. Então, não se preocupe; está chegando e não deixaremos nada em branco. E seremos condenados em nosso uso da língua, pois todos nós temos o mesmo problema: os freios ficam escapando da nossa boca.
Por agora, Tiago tem algo mais em mente ao falar da língua nesse contexto. Primeiro, existe algo que facilmente passa despercebido se não formos cautelosos. É possível chegarmos à conclusão no verso 26 que Deus não se importa com atividade religiosa. E não é isso o que Tiago quer dizer. Na verdade, Tiago está prestes a nos apresentar a uma atividade religiosa considerada pura e sem mácula: visitar órfãos e viúvas nas suas tribulações.
Creio que um entendimento melhor do verso 26 surge quando o contrastamos com o verso 27. Ou seja, serviço religioso que serve a nós mesmos não tem proveito algum; religião que toca trombetas diante de nós mesmos, que honra a nós mesmos, que se gaba de nossas próprias ações, que foca em nossos direitos e necessidades, Tiago diz: “Esse tipo de atividade religiosa, acompanhada por um discurso desenfreado, não tem valor algum.”
Por outro lado, no verso 27, atividade religiosa que Deus considera proveitosa e madura ocorre quando usamos nossa língua, mãos, mente e pés para defender os direitos de outros, para honrar outros e promover o bem de outras pessoas.
- Nossa preocupação com outras pessoas.
Quem seriam essas pessoas, Tiago? Note o verso 27: A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai. Note bem isto: essa religião não busca atenção de homens. A humanidade pode nem se preocupar com órfãos e viúvas ou pureza de caráter, mas Deus se preocupa.
A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo
Tenha sempre em mente que Tiago não está dizendo que se a pessoa deseja entrar no céu, ela precisa visitar órfãos e viúvas e viver uma vida pura. Tiago não se refere a pessoas que precisam ser salvas; ele fala sobre pessoas que são salvas. Portanto, devemos medir nossa maturidade à luz dessas coisas. Ou seja, se você está crescendo em Cristo, seu Cristianismo irá impactar radicalmente não somente a maneira como conversa com outras pessoas, mas sua compaixão para com outras pessoas.
A propósito, note a descrição singular de Deus no verso 27 ao Tiago dizer: A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai. Deus e Pai—dois nomes singulares separados pela conjunção kai ou e. Essa é a construção gramatical por meio da qual Tiago descreve o primeiro nome com o segundo nome. Ele, portanto, descreve Deus como Pai. Poderíamos simplesmente traduzir: “Deus que é Pai.” Isso é algo precioso nesse contexto, uma vez que Tiago fala sobre órfãos e viúvas, aqueles que são literalmente sem pai, desamparados e indefesos.
Deus acontece de ter um coração de Pai, como Davi escreve no Salmo 68, verso 5: Pai dos órfãos e juiz das viúvas é Deus em sua santa morada.
Tiago diz, na verdade, que se você deseja realizar atividade religiosa que realmente agrada a Deus e revela seu crescimento à semelhança de Cristo, terá que demonstrar esse cuidado e compaixão paternos para com os órfãos e viúvas.
Agora, essas não são os dois únicos grupos da sociedade que precisam de um ministério de compaixão. No século primeiro, não havia plano de saúde. Entendida propriamente, a história mostra que foi o Cristianismo que fundou hospitais, orfanatos, grupos de resgate, asilos para pobres e refeitórios para famintos. Foram os cristãos que fundaram sociedades para os pobres e sem-teto, que construíram enfermarias para pessoas com deficiências mentais e físicas, bem como para idosos. Foram os cristãos que mudaram as leis para libertar os escravos e proteger as crianças do trabalho cruel e muitas outras coisas mais. Ouça bem: a civilização ocidental não inventou o Cristianismo; o Cristianismo criou a civilização ocidental com seus valores e liberdades.
Trezentos anos antes do nascimento de Cristo, Platão disse que o homem pobre que não podia mais trabalhar por causa de doença deveria ser abandonado para morrer. Cento e cinquenta anos depois, o filósofo romano Plautus argumentou dizendo que dar comida a um pedinte era fazer um desserviço a si mesmo e ao pedinte, cuja miséria era apenas prolongada ao receber comida.
Quando a cidade de Alexandria sofreu com uma praga, os romanos fugiram da doença contagiosa, mas os cristãos permaneceram lá, arriscando suas vidas. Júlio O Apóstata, o imperador romano que chamava os crentes de galileus como uma forma de zombar deles por sua crença no Cristo da Galileia, murmurou: “Esses galileus ímpios cuidam dos seus e dos nossos pobres.”
De forma simples, a nação que abraça o Cristianismo abraça o valor da vida humana e a nação que recusa o Cristianismo desvaloriza a vida humana e os resultados são trágicos. O Cristianismo apresentou o conceito maravilhoso de que a vida é importante e, assim, cada pessoa tem valor, não importa quais sejam suas condições ou idades.
Historiadores da área médica admitem o seguinte, como pode ser visto nesta citação: “Antes do nascimento de Cristo, o espírito para com o doente e desafortunado não era o de compaixão; o crédito por servir diante dos sofrimentos humanos numa escala maior pertence ao Cristianismo.”
E isso não foi algo particular a Roma. Você podia viajar ao redor do mundo nos tempos de Cristo e descobrir, por exemplo, que os sacerdotes japoneses afirmavam que os doentes e necessitados eram odiados pelos deuses. Na Índia, até ao dia de hoje, as classes mais baixas da sociedade são meramente pessoas reencarnadas que viveram suas vidas anteriores de forma tão pecaminosa que merecem o sofrimento presente. O Cristianismo tem o maravilhoso efeito de aumentar o valor da vida humana.
Tiago vive num período pré-Cristão e a igreja nasceu em uma cultura onde o valor da vida humana era muito baixo. O aborto e infanticídio eram universalmente aceitos. Sêneca, o historiador romano que morreu na mesma época em que Tiago escrevia sua epístola, registrou: “Nós afogamos crianças que nascem fracas e com deficiência física.” Infanticídio, i.e., matar crianças no momento do nascimento, era tão comum que um historiador considerou esse o motivo para o declínio da população grega. Meninas, especialmente, eram mais expostas a essa prática, pois não poderiam cuidar de seus pais idosos e nem dar continuidade ao nome e herança da família. Na Grécia, era muito raro para uma família rica criar mais de uma menina. Uma inscrição em Delfi registra os resultados de uma pesquisa do século segundo, revelando que, de 600 famílias, apenas 1%, ou 6 famílias, criava mais de uma filha. As meninas eram abandonadas nas varandas para serem levadas por animais selvagens ou donos de prostíbulos, onde seriam criadas para se tornarem prostitutas ou escravas.
Então, a igreja do século primeiro saía durante à noite colecionando crianças para criar. Por quê? Porque havia valor em cada vida humana, uma vez que a vida é uma criação de Deus e Deus tem um coração de Pai.
Esse é o Evangelho. Deus diz por intermédio de seu servo Tiago: “Você está ajudando aqueles que não podem retribuir? Porque foi exatamente isso o que eu fiz por você! E, pode ter certeza: você jamais conseguirá me pagar!”
Fazemos o que fazemos, não para dar algo em troca a Deus, o que não podemos; fazemos o que fazemos para imitar Deus, o que nós podemos.
Esse tipo de religião é pura porque revela a graça do Evangelho. Foi isso o que o nosso Pai celestial fez por nós; quando éramos pecadores e não podíamos fazer nada para Deus, Deus nos amou e nos escolheu para si. Jesus Cristo se tornou pecado por nós para que pudéssemos nos tornar justiça de Deus nele. Deus deseja que seus filhos tomem atitudes semelhantes às dele!
Paulo escreveu em Colossenses 3, verso 12:
Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de ternos afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade.
Tiago menciona especificamente a visita a órfãos e viúvas. A propósito, a palavra visitar é profunda. Ela é usada em referência a Deus visitando seu povo a fim de ajudá-lo, fortalecê-lo e encorajá-lo. Jesus usou a mesma palavra ao dizer em Mateus 25, versos 35 e 36:
Porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me hospedastes; estava nu, e me vestistes; enfermo, e me visitastes; preso, e fostes ver-me.
Esse tipo de compaixão é expressada da melhor forma possível quando um crente serve alguém que não pode lhe dar nada em troca, como cuidar de um órfão ou viúva.
A expectativa de vida nos dias de Cristo e por vários séculos depois era de apenas 30 anos. Isso significa que os pais geralmente morriam, deixando para trás crianças desamparadas e sem dinheiro. Justino Mártir, que foi um pastor por 50 anos após a escrita do livro de Tiago, falou das ofertas coletadas nos cultos das igrejas para os órfãos que eram retirados constantemente das ruas e conduzidos para lares de cristãos.
Quando o Cristianismo foi legalizado no mundo ocidental, em 313 A.D., os cristãos já cuidavam de muitos órfãos e administravam orfanatos. Eles não estocavam crianças apenas, mas cuidavam delas com amor, provendo educação e treinamento em alguma arte ou disciplina. No decorrer dos séculos, a igreja e os lares cristãos têm primariamente se envolvido com o cuidado de crianças abandonadas.
Por volta da época em que George Muller morreu, seu ministério com órfãos já havia se espalhado por muitas cidades britânicas. Na época de sua morte, em 1898, mais de 8 mil crianças estavam sob os cuidados de seus orfanatos e ministérios.
Nos Estados Unidos, um pastor fundou uma associação para o auxílio de crianças, na qual ele colocou em prática a crença de que as crianças necessitam de um lar. A fim de alcançar o seu objetivo, centenas de crianças abandonadas foram colocadas em trens, os chamados “trens dos órfãos,” e enviadas a famílias em várias das grandes cidades do país para serem criadas por elas. Antes de deixarem o trem para se unirem às suas famílias, as crianças aprendiam a Oração do Pai Nosso, os Dez Mandamentos, alguns Salmos, algumas das parábolas de Jesus e outras porções das Escrituras. Essa iniciativa teve grande sucesso e, perto da época em que o movimento terminou no início dos anos de 1920, cerca de 200 mil órfãos tinham encontrado lares.
Meu amigo, a prática da compaixão dessa maneira em particular, construindo e organizando orfanatos e até pessoalmente adotando crianças, tem sido algo singular dos crentes já por vários séculos. Por quê? Porque a igreja aceitou uma carta de Tiago que os desafiou dizendo que, se você deseja demonstrar o Evangelho de forma tangível, real e concreta, então pegue uma criança desamparada e leve-a para o seu lar; pegue uma criança sem um pai e seja um pai para ela; pegue uma criança sem esperança e lhe dê graça.
Garanto a você que a liderança de nossa igreja possui pessoas que foram adotadas e hoje servem a Cristo com toda sua vida. Temos em nossa igrejas várias famílias que têm a guarda de crianças e outras que adotaram crianças, tanto de nosso país como também de outros países. A adoção é uma profunda demonstração do Evangelho; uma criança sem uma família é escolhida para pertencer à família de outra pessoa por um ato de amor e graça.
Esse é o compartilhar da vida com outros, apesar do fato de jamais poderem retribuir da mesma forma, mas você será, sim, recompensado! Tiago diz que a visita, ou cuidado, dos órfãos é a religião pura e sem mácula, uma reflexão de Deus, que é o Pai. Você será recompensando quando se colocar diante dele.
Seja qual for a forma como demonstra compaixão—seja a órfãos, viúvas, presos, pobres, doentes, deficientes ou sem-teto—, você escolheu fazer o que Tiago, Paulo e outros escritores bíblicos nos exortaram a fazer: mostrar compaixão para com os que necessitam.
Ao estudar para esta meditação, soube de uma retribuição que veio de forma inesperada. Quando crentes na Holanda souberam que tropas nazistas estavam invadindo orfanatos, roubando crianças judias e as levando para morrer nos campos de concentração da Europa, homens holandeses corajosamente se disfarçaram de oficiais nazistas, arriscando suas próprias vidas, invadiram os orfanatos e levaram bebês e crianças judeus para casas de refúgio, de onde seriam, depois, enviadas para seus lares sob cuidado e proteção.
Uma dessas casas de refúgio era da família holandesa ten Boom, onde Corrie ten Boom foi criada juntamente com seu sobrinho, Pedro ten Boom. Quando a casa deles foi descoberta, todos foram enviados a campos de concentração. Pedro ten Boom, o sobrinho, sobreviveria e se tornaria um evangelista. Quando já velho, Pedro estava em Israel dando um discurso, teve um ataque do coração e foi conduzido às pressas para o hospital. Uma cirurgia seria necessária para salvar sua vida. Logo antes da cirurgia, o cardiologista estava conversando com Pedro e lhe perguntou: “Vejo que o seu sobrenome é ten Boom. Por acaso você é parente da família ten Boom que refugiou várias crianças judias na Holanda?” Pedro disse: “Sim, aquela casa era da minha família.” O médico replicou com lágrimas em seus olhos: “Eu sou um do bebês que sua família salvou. Agora é a minha vez de salvar a sua vida.” E a cirurgia teve grande sucesso.
Mas Tiago não menciona somente órfãos; ele inclui viúvas também. O Antigo Testamento já havia determinado provisões para as viúvas, dando ordens para que os agricultores semeassem as laterais de suas plantações, mas que deixassem as viúvas colherem o que ali fosse produzido. De fato, quando alguém realizava a colheita, os trabalhadores deveriam deixar o que caísse para as viúvas que vinham e recolhiam, a fim de sobreviverem.
Um fazendeiro rico decidiu seguir essas leis, apesar de ele estar vivendo em uma época em que não havia rei em Israel; cada qual fazia o que achava mais reto (Juízes 17.6). Esse fazendeiro obedeceu e recebeu a recompensa de encontrar sua esposa entre as viúvas pobres, uma viúva chamada Rute, a quem Boaz, o fazendeiro, tomou como esposa.
Nos dias da igreja primitiva, Tertuliano, um líder da igreja, registrou que cerca de 100 anos após Tiago ter escrito sua carta ofertas eram recolhidas para o sustento das viúvas. A primeira igreja do planeta, a igreja de Jerusalém, teve sua primeira reunião administrativa, conforme registrado em Atos 6, que serviu para comissionar diáconos, os quais tiveram como primeira missão distribuir igualmente os recursos da igreja para as viúvas. Tiago fez parte dessa reunião sem dúvidas, e ele veio a ser o pastor/mestre daquela igreja.
Viaje ao redor do mundo e você descobrirá que o valor da viúva é diminuído fora do ambiente do Cristianismo. Na Índia, quando o marido de uma mulher morre, ela, como uma esposa boa e fiel deve fazer, voluntariamente junta-se à pira funerária de seu marido e é queimada viva juntamente com o corpo de seu marido. Se ela se recusar, geralmente é posta à força, até mesmo pelos seus filhos. Se, de alguma forma, ela escapar dessa prática religiosa, ela é forçada a raspar a sua cabeça, tornando-se, assim, nada atraente a futuros pretendentes. É-lhe permitido somente uma refeição ao dia e ela nunca pode se aproximar de uma mulher grávida, pois sua presença pode trazer maldição.
E isso não é somente na Índia. Países da Escandinávia, a China, Finlândia e Nova Zelândia seguiam a prática de suttee—ou queima da viúva. E essa prática ainda não foi extinta em países que recusam o Evangelho.
Uma revista contou a história de uma viúva de 18 anos de idade que, em 1987, se uniu ao marido na pira funerária. Com a cabeça de seu marido no colo, ela pediu que a pira fosse acesa. O artigo ainda conta que uma multidão de mulheres gritava em apoio ao seu ato. Depois de ter sido cremada viva, milhares de mulheres chegaram até ela para receber “bênçãos” da viúva morta, crendo que ela se tornara uma deusa. Elas criam num ditado do Hinduísmo, que diz: “Se o seu marido está feliz, ela deve estar feliz; se ele está triste, ela também deve ficar triste; e se ele está morto, ela deve morrer.”
O Evangelho anuncia uma mensagem diferente, não é? Existe uma esperança futura para cada um, inclusiva para as viúvas. A morte do marido não é a morte da esperança, pois essa não é a morte de Deus.
E, por causa de nossa maturidade em Deus, somos desafiados a demonstrar as diferenças do Cristianismo em nossa conversa e em nossa compaixão.
- Por fim, devemos revelar o Cristianismo na prática por meio de nosso caráter diante de outras pessoas.
Tiago finaliza o verso 27, dizendo: e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo. O que isso significa? A palavra traduzida como mundo se refere ao sistema do mundo, à maneira de pensar do mundo. É um termo geralmente utilizado no Novo Testamento para representar a humanidade caída em geral e seus valores morais pecaminosos. Mantenha-se incontaminado!
Você pode pensar: “Mas isso é impossível!” E você está certo; o mundo se esfrega em nós constantemente. O tempo do verbo é presente, o que mais uma vez significa uma atenção diária e regular dada a essas manchas em nossa roupa espiritual.
Por esse motivo, precisamos cuidar de nosso coração e mente regularmente, seguindo o sistema de limpeza divino: arrependimento e confissão fazem maravilhas. Um autor escreveu: “Conheço um sabão que tira as piores manchas que você pode imaginar. Deus é especialista em remover machas.”
Não creio que Tiago esteja falando de qualquer tipo de mancha ou mácula. Creio que ele fala especificamente dentro do contexto desse parágrafo. Com muita facilidade nos manchamos com os valores do sistema deste mundo:
- a vida não importa;
- pessoas pobres estão provavelmente recebendo o que merecem;
- os órfãos não são da minha conta;
- as viúvas não são minha responsabilidade;
- servimos apenas aqueles que podem nos retribuir de alguma maneira.
Então, como nos manter limpos? Como mantermos nossa religião sem máculas? Como manter nossa língua no devido lugar?
- Recusamos defender até mesmo a mínima infração de nossa língua desenfreada;
- Recusamos ignorar as necessidades de pessoas que não podem nos retribuir; e
- Recusamos aceitar o sistema de valores deste mundo que rejeita a autoridade de nosso Deus Criador.
Em outras palavras, escolhemos demonstrar o Evangelho da graça: humildade com nossa língua, compaixão por meio de nossos recursos e pureza com nossas vidas.
Se nossa vida fosse uma televisão, desejaríamos que o mundo nos ouvisse e nos visse—que tivesse à sua frente tanto som como imagem—, ouvindo e vendo uma demonstração do Evangelho que tem impactado radicalmente tudo em nossas vidas: nossa conversa, nossa compaixão e nosso caráter.
Este manuscrito pertence a Stephen Davey, pregado no ano de 2010
© Copyright 2010 Stephen Davey
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